
Nos idos de 1982, em minha adolescência mais tranquila do que a dos jovens de hoje, podia em minhas férias ir para a zona oeste de nossa cidade, casa de meus avós, para soltar pipa, jogar bola, andar de bicicleta, inventar esconderijos, ouvir histórias da vovó, brincar com os primos e desfrutar das diversas árvores frutíferas ali existentes.
Para chegar lá, Areia Branca, entre Santa Cruz e Sepetiba, não tinha tempo ruim: ou papai levava de carro, ou eu e meu irmão pagávamos o trem com mochila nas costas, bolsa com pipas, e bicicleta desmontada.
Na estação de Santa Cruz, estação final, deveríamos tomar um ônibus para o local de férias. Mas, acontece que o ônibus demorava cerca de uma hora para chegar, era do tempo em que se cantava "Trem das Onze", só de hora em hora e se perder, amigo, ah! "só amanhã de manhã".
O recurso imediato era o transporte "pirata". Eram Kombis velhas, caindo aos pedaços que passavam de dez em dez minutos, contados no relógio, que na época também se podia usar sem susto.
Por omissão do Poder Público aquele meio de transporte, dito "pirata", se tornou a solução para aquele povo esquecido.
Hoje o "blinnnbomm" das Kombis estão em toda cidade e anunciam em alto e bom português: "blimmmmbomm...não vai com ele, vem comigo" ou "blimmmmbomm....sai da frenteee!!", o bom português foi exagero meu, mas que as Kombis estão em toda parte, não há qualquer dúvida.
As aulas de Introdução ao Estudo do Direito (sou adepto da teoria trialista de Paulo Dourado de Gusmão), Miguel Reale que descanse em paz, o Fato social, gera Valores Sociais que por fim geram a Norma de Direito.
Ora, o fato de haver Kombis fazendo percursos não explorados pelo poder concedente, criando um valor na sociedade de que aquilo seria a solução, não restou outra alternativa ao legislador que não fosse regulamentar em Norma de Direito.
FATO, VALOR E NORMA.
Assim, os "piratas" de outrora, passam a ser chamados de "alternativos".
E se o que se torna "alternativo" após a legitimidade é bom, então temos remédios "alternativos", mídias "alternativas", e por aí vai...
Por outro prisma o que me vem trazendo espanto nestes últimos dias é saber que apesar de se transformarem em "alternativos", os "piratas" estão voltando. E mais, voltando no velho estilo: afundando embarcações e gerando pânico em mar aberto, utilizando bandeira preta com um crânio no mastro, etc.
Pasmem, meus amigos, tem "pirata" na Baía de Guanabara.
Se estão sabotando e afundando as Barcas, não sei, mas o Secretário Estadual de Transporte do Rio de Janeiro, declarou para a Band FM que tem embarcações, fora das concessionárias e/ou permissionárias realizando travessias marítimas em nossa costa.
Não faltava mais nada, ou melhor, talvez falte: o "Esquadrão do Barão Vermelho" tomar de assalto nosso espaço aéreo logo após uma greve ou "apagão" de controladores.
Aí não vai faltar mais nada.
Meus filhos, que pena, só vão de carro para a casa dos avós; frutas só do mercado; futebol, só na quadra do condomínio fechado ou no colégio; histórias da vovó só no Cartoon. Esses são os "alternativos" de meus filhos.
Fatus & Boatus a parte, quem sabe o que é melhor: um "alternativo" regulamentado, ou um "pirata" de assalto?